terça-feira, 3 de abril de 2012

A dona Glória

A dona Glória é uma das utentes lá da farmácia que eu fixei assim que comecei a atender ao público. É uma das pessoas que vai lá quase todos os dias. Ora é para medir a tensão, ora para comprar medicamentos. Mas gente a medir a tensão e a comprar remédios constantemente é o que não falta por lá. O que me fez não esquecer mais a dona Glória é o ar de coitadinha que carrega todos os dias. Ao início não estranhei - não a conhecia. Mas depressa apanhei-lhe as manhas (ou detectei-lhe o feitio) e comecei a topar que a dona Glória não se alegrava quando a tensão estava boa. Isso não é motivo para aquela mulher sorrir ou ficar mais aliviada. Para se ver a dona Glória satisfeita é dizer-lhe que a tensão está altinha. É falar-lhe da mesma maneira que falamos para uma criança de 2 anos, sendo que a cereja no topo do bolo é metermos a palavra coitadinha no meio do discurso. Aí sim, a dona Glória fica satisfeita. Juro que não tenho paciência para pessoas deste género. Ao início tinha pena da senhora, mas agora não consigo, porque não gosto de pessoas coitadinhas. A dona Glória entra sempre na farmácia com os ombros descaídos, de forma a dar o efeito de corcunda (e consegue, que ser coitadinha dá trabalho) e olha sempre para nós com um ar de pedinte do pior, como se toda a miséria do mundo a tivesse atingido. E nós já vamos prevendo que dia menos dia a dona Glória entre na farmácia a rastejar, mas com um sorriso de orelha a orelha. Porque são assim as donas Glórias desta vida: quanto mais coitadinhas se mostram mais contentes ficam. 

4 comentários:

Ji disse...

Ahaha, gostei do post..
kiss*

Nada disse...

Não sei a idade da dita dona Glória, mas ainda hoje curiosamente tive a conversa com um farmaceutico sobre a solidão. E na farmácia, tal como em diversos espaços publicos de atendimento, há pessoas que se refugiam, fazendo-se de coitadinhas ou arranjando pretextos para lá irem...assim não se sentem tão sós. Quando não há ninguem que pergunte como estamos, tendemos a querer que alguém mostre preocupação. Talvez a dona Glória só esteja sozinha (ou talvez seja efectivamente chata...sei lá...hoje tou melodramática, deixa la)
Beijo*

Johnny disse...

60 Sinais, de facto há muita gente que sofre de solidão e que vê nos farmacêuticos uma companhia. Já tive atendimentos que duraram meia hora por isso. 5 minutos dedicados aos medicamentos e os restantes dedicados a ouvir a pessoa falar, porque muitos idosos sentem necessidade de dizer-nos o que não conseguem dizer a ninguém enquanto estão fechados e sozinhos em casa. Mas a dona Glória, essa grande personagem, é mesmo uma senhora que adora ser coitadinha. Diria melhor, a dona Glória é uma coitadinha profissional. É todo um campeonato à parte.

maria disse...

Assino por baixo.